domingo, 20 de setembro de 2015

Critica: “que horas ela volta”

“Traz consigo a triste realidade do nosso país, mas um sopro de esperança quando visualizamos que existe um novo mundo mais justo e igual sendo construído"


Ficha técnica: IMDB


Tem spoiler para mais de metro, é quase o roteiro do filme. Portanto, se não viram, não leiam!


Se fosse dirigido por José Padillha, “Que horas ela volta” certamente começaria com uma frase do tipo “apesar das possíveis coincidências esse filme é uma obra de ficção”, dada a  enorme verossimilhança que essa bela obra tem com o ambiente brasileiro apresentado.


Mas, felizmente, Padilha não dirigiu esse filme (com todo respeito a nosso genial diretor) tarefa realizada pela brilhante Anna Muylaert (o ano que meus pais saíram de férias) que, também assinando o roteiro, deu vida a um futuro clássico do cinema nacional. Honestamente, não consigo enxergar melhor sinergia como resultado, já que a minha admiração pelo produto final apresentado por Anna é gigante!


Ambientada em São Paulo, em sua grande maioria numa casa de luxo no Morumbi, “Que horas ela volta” acompanha a história de uma empregada doméstica, Val (Casé), que, abandonou a filha no nordeste para tentar melhor vida na maior cidade do Brasil, como uma espécie de governanta que vive no quartinho dos fundos da casa dos seus patrões.


Logo no começo, podemos acompanhar o dia a dia do trabalho de Val, desde quando o pequeno Fabinho (Lopes) era apenas uma criança que gostava de brincar na piscina até quando o menino é um adolescente (já interpretado por Joelsas) pronto a prestar vestibular. Até que Val recebe uma ligação da filha (Márdila) que precisará ir a São Paulo para também tentar entrar na faculdade, e a empregada não vê outra saída a não ser trazer a adolescente para morar junto de si e dos seus patrões, Bárbara (Teles) e José Carlos (Mutarelli).


É interessante como Muylaert utiliza bem a fotografia e a Mise-en-scene para nos apresentar uma família desunida (reparem que a família elitista é apresentada separadamente, cada um é inserido na narrativa num momento diferente e quando aparecem juntos num plano estão todos no celular sem interagir) e um grupo de empregados unidos que almoçam reunidos e interagem bem entre si. Ali, a diretora já inicia a idéia básica do seu filme: o conflito entre dois mundos diferentes, basicamente pobres e ricos, e como o convívio entre essas duas classes são regidas por dogmas, preconceitos e submissão.


Ainda na fotografia temos um trabalho brilhante que nos traz sistematicamente o ponto de vista da Val e o mundo triste que ela vive, como nos planos em que Casé aparece de costas e quando compartilhamos os lugares comuns da empregada: o corredor escuro e apertado da família; a cozinha; a região da piscina e o quartinho dos fundos (mais uma prisão, mostrada por um plano mostrando as grades da janela). Já a direção de arte é eficiente ao demonstrar uma empregada uniformizada no passado e, no futuro, já mais a vontade em casa, utilizando roupas velhas doadas pelos patrões, exceto quando tem alguma ocasião especial e os donos da casa precisam mostrar que ela é, na verdade, uma serviçal.


Sobre as atuações, é gratificante ver a ótima atuação da Regina Casé que traz uma simplicidade enorme a sua personagem, que demonstra uma ingenuidade incrível sobre o mundo que a envolve. Com expressões bem suaves, e com uma sensibilidade enorme, Casé dá vida a uma personagem amável e simples, que acredita ser predestinada a servir uma família pois as pessoas já “nascem sabendo” que é assim. Isso nos aproxima da empregada, uma vez que, tendo muita proximidade com o ambiente dela, conhecemos pouco o mundo dos patrões, já que mal vemos seus quartos e o resto da casa (aqui uma observação interessante: num certo momento, podemos ver que a casa é enorme através da análise de sua planta, e que a empregada Val mora na parte “inferior” da residência).


Ademais, fica difícil nutrir pelos patrões da empregada alguma simpatia, a medida que vamos conhecendo-os. Enquanto Bárbara é uma típica socialite que demonstra seus preconceitos em pequenos gestos - como falar em Inglês para empregada não entender, desdenhar do perfume da mesma e desacreditar que uma nordestina não passe no vestibular - Fabinho se demonstra um adolescente mimado, preguiçoso e invejoso (embora seja mais fácil nutrir por ele algum carinho graças a sua proximidade com a  Val). Temos também um pai, José Carlos, moroso e machista que vive se arrastando como uma tartaruga (e um corte no filme deixa isso bem claro), tendo que beber guaraná a toda hora para ter alguma energia para falar e andar, acha que tudo vai vir de mão beijada (até um casamento!!) e que vive praticamente por inércia pois herdou uma gorda herança e nunca precisou trabalhar.


Inserindo na narrativa uma personagem que não obedece às “regras” praticadas na casa e, portanto, traz consigo um desequilibrio nas relações empregados/patrão há tempos praticadas na casa, Muylaert coloca em confronto dois mundos (que comentarei em tópico separado mais a frente), colocando em cheque máximas ou axiomas que levamos conosco para justificar ações extremamente anti-éticas como manter sobre cativeiro funcionários em regime de semi-escravidão.


[ALERTA MASTER DE SPOILER]


E, nesse sentido, “que horas ela volta” é um filme completo onde cada função consegue, com graciosidade e inteligência, trazer reflexões consideráveis acerca da realidade complexa e coerente em que a história está inserida. Por isso, quando ouvimos Val dizer que o largo da Batata TINHA mais nordestino que o nordeste, ou mesmo, Bárbara falar, com desgosto, “esse país esta mudando mesmo”, sabemos que estamos observandos dois mundos diferentes que estão prestes a dividir, cada vez mais, o mesmo espaço. Por isso, é sensacional observar uma protagonista que descobre como o mundo que a envolve agora é outro quando põe no varal uma blusa preta (diferentemente no começo do filme, onde tudo era branco) e se vê pronta para recomeçar uma vida com escolhas diferentes, dentro da nova realidade que ela agora consegue enxergar. E se, outrora, ela foi vista andando apertada em ônibus lotados, vivendo num quarto cuja janela abre para dentro de uma casa, já no fim a mesma termina no banco de trás de um carro, com o rosto feliz sentindo a brisa vinda na janela e numa casa que tem uma janela que a permite ver o mundo exterior.


A piscina, o sorvete, as mães e o jogo de xícaras: o exemplo dos dois diferentes mundos


Muylaert utiliza símbolos de conflitos entre os dois mundos vividos no filme para nos fazer questionar o senso comum ao qual estamos inseridos.


Por exemplo, os dois tipos de sorvetes que temos disponíveis na casa: um tradicional, sem embalagem e que nem sabemos o sabor e um outro num pote arrojado, com embalagem, de um especial chocolate com amêndoas. Reparem como Val, a empregada, tem como certeza que ela não pode comer o sorvete rico “de Fabinho”, mesmo sendo “quase da família”. Já Jéssica, que não compactua do mesmo dogma, uma vez que prova do doce sofisticado, não consegue mais não comê-lo  mesmo que tenha que fazer escondido, numa grande metáfora de que as gerações futuras não aceitarão mais o retrocesso de ter que viver com o pior.


A piscina é um espaço aparentemente comum, que tem lugar para todos, mas que não pode ser utilizado pelo mundo dos pobres. E é através dessa piscina que Anna demontra uma quebra de paradigma por parte da Val que, uma vez que a vê quase vazia enxerga ali a oportunidade de participar de um mundo que ela sabe que não é seu, mas que ela tem direito de estar e gozar daquele privilégio (e essa descoberta rende uma bela sequência no filme). E, é claro, destaca-se a repulsa que a Bárbara tem ao saber que alguém de o mundo diferente do dela está usando a piscina, comparando essas pessoas a ratos.


Bárbara e Val são mães que abriram mão de conviver com seus filhos na infância, por escolhas diferentes - e não é atoa que a frase “que horas ela volta” é atribuída às duas. Enquanto Val, a mãe pobre que abandonou a filha para sustentá-la, abre mão de toda a sua vida para voltar a viver junto da filha e do neto, Bárbara, a mãe rica que deixou o filho de lado exclusivamente pela carreira, escolhe enviar o filho para mais longe ainda, um intercâmbio, quando o mesmo sofre uma frustração de não passar no vestibular. Duas mães, dois abandonos e para cada mundo uma consequência diferente.


E o jogo de xícaras talvez seja a grande sutileza da diretora, mostrando os dois mundos misturados e como um deseja participar e o outro quer ficar quietinho, na boa, sem querer dividir espaço. Reparem que da primeira vez que o jogo é apresentado, tanto Bárbara quanto Val estão vestidas de preto e branco (como uma xícara e um pires do conjunto) e a dona da casa, fashionista, ainda diz numa entrevista algo do tipo “você é o que você veste”. Quando a empregada tenta inserir essa novidade ao mundo dos ricos, na festa da patroa, é prontamente tolhida e recebe como resposta “esse não, utilize o conjunto sueco de madeira branca (veja bem, branco!)”, ou seja, esse aqui é o mundo dos ricos, não me venha com nada misturado que não aceitaremos. E é belíssimo ver a cena onde Val tenta entender como vai ser esse mundo onde as diferentes cores vivem juntas (não entra na cabeça dela tal loucura), até que, ao final, ela demonstra ter entendido aquilo na fala “esse aqui é diferente, que nem tu [Jéssica]. É preto com branco, branco com preto, tudo misturado” deixando claro que a geração da filha viverá num mundo mais homogêneo que o dela.


O Lulismo estampado em “que horas ela volta”


Se Anna der uma entrevista dizendo que chamou o presidente Lula para ajudar a construir o roteiro, eu acreditaria na hora. Isso porque o filme traz jargões clássicos do metalúrgico, que ilustram bem o conflito existente quando os dois mundos, tão bem separados no passado, passam a dividir o mesmo espaço. São esses:


  1. Hoje pobre anda de avião: na cena que Val vai buscar sua filha, se nota claramente a disparidade entre ela, uma empregada perdida no aeroporto, e um homem ao seu lado segurando uma placa, o qual deduzimos ser o motorista de uma garota loira e branca chamada Aline Bonamin. Ainda, temos também uma fala da Regina Casé enfatizando a importância de se buscar alguém “de avião” como se aquilo fosse um prêmio a toda a dedicação que ela teve na vida.
  2. A empregada agora usa o perfume da patroa, mesmo que falso: Num plano no começo do filme, podemos ver no criado mudo ao lado da cama da Val, um perfume com cara daquelas imitações das fragrâncias tradicionais. Quando Bárbara percebe que Val usara um perfume, para sair determinado momento, a mesma faz questão de desdenhar do mesmo, sacudindo o ar e tapando o nariz com uma toalha. Ademais, temos a cena da outra empregada, Edna, feliz ao mostrar um perfume novo para sua amiga Val.
  3. A filha da empregada hoje é arquiteta: essa é bem autoexplicativa… Atualmente, graças a uma educação que vem melhorando e um sistema de inclusão mais eficaz, cada vez mais cidadãos de baixa renda, que eram obrigados a viver com um subempregos, tem a possibilidade de sonhar com trabalhos outrora praticados apenas pela elite. Detalhe: é ótimo como Muylaert crítica a educação tradicional atribuindo a um professor de história (não de português e nem de matemática) que desenvolve o senso crítico mediante “grupos de teatro” a responsabilidade pelo triunfo da Jéssica.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Crítica: Divertida mente

Ficha técnica do filme: IMDb

Lembro-me da primeira vez que fui procurar a palavra nostalgia no dicionário Aurélio, o atual avô dos burros. Não conseguia aceitar que aquele conjunto de letras estava relacionado a tristeza, uma vez que eu sentia algo estranhamente reconfortante ao acessar lembranças de um passado remoto. E é nessa complexidade, de sentimentos e descobertas, que a Disney•Pixar nos mostrou seu último filme, divertida mente (inside out) que certamente chega aos cinemas como seriíssimo candidato a entrar no hall de clássicos entre animações.

Dirigido por Pete Docter (Up e Monstros SA), divertida mente é ambientado majoritariamente na cabeça de uma criança, Riley (Dias), onde acompanhamos o dia a dia de suas emoções alegria (Poehler), tristeza (Smith), medo (Hader), raiva (Black) e nojinho (Kaling) que, utilizando um painel, comandam as principais ações da garotinha. Já no começo do longa, Docter se mostra eficiente ao desenhar o cerne do universo construído pela Pixar - basicamente como funciona a “máquina de sentimentos” - nos fazendo acompanhar tanto o crescimento de Riley, de seu nascimento até os onze anos, tempo no qual o filme se passa, quanto a principal trama do longa: o conflito entre tristeza e alegria. [vale lembrar que esse recurso foi bem utilizado pelo diretor também em UP, filme que deveria entrar nos Guinness por longa que faz chorar mais rápido].

Com um roteiro que nos leva a mundo fantástico e irreverente, ajudando a construir um universo que apelidei carinhosamente de “A Origem, para baixinhos”, a animação utiliza bem elementos cotidianos para representar a mente de Riley, desde esferas coloridas touch screen (que nos mostra memórias correspondentes a cada sentimento, fáceis de serem transportadas e visualizadas) até tubulações, que lembram nervos. Sem falar na bela representação de valores por ilhas e na homenagem à sétima arte, tratando o sonho como super produções e o acesso pessoal às memórias como um grande cinema que projeta a imagem que vem a mente da garotinha (Como consequência, temos um lindíssimo plano onde alegria observa, minúscula, uma memória se passar numa tela gigante).

Aliás, a fotografia do filme é competente ao nos mostrar uma São Francisco - lugar de mudança do primeiro para o segundo ato - com uma paleta triste e monocromática, em contraste com as principais memórias da garotinha da cidade natal, Minessota, que apesar de ser mais fria é muito mais alegre para a criança. Notem, também, que o quarto de Riley está constantemente no escuro e é, na maioria das vezes, iluminado somente quando a porta é aberta pelo pai ou a mãe, numa idéia linda da importância dos pais na vida da jovem.

Outro acerto da fotografia é representar um universo que nos mostra diversos “departamentos” de uma mente ainda em construção - não é atoa que tem obra para todo lado - e a importância de cada local, como o quão pequeno ficam as emoções na “prisão de medos” ou o quão triste é o cemitério de memórias (cuja alegria brilha intensamente, mostrando que não pertence de maneira nenhuma ao lugar).

Falando em brilho, a direção de arte também não deixa nada a desejar, criando personagens adequados a suas cores, roupas e atitudes: notem como alegria veste roupas de verão, tristeza de inverno, nojinho é fashion e o medo um nerd cauteloso, enquanto raiva usa roupas tradicionais de trabalho, representando bem o stress. As cores também são muito adequadas, com o amarelo brilhante, o azul, o verde, o roxo e o vermelho, representando a felicidade radiante, o desanimo contínuo, a doença alimentar, a prudência por temor a morte e o puro ódio, respectivamente. Sem falar nas cores da própria Riley que começa o filme com roupas alegres e cheias de vida e termina da cabeça aos pés de preto, não sobrando nem um all star vermelho.

Mas o que mais admira sobre as personagens é a postura de cada um, também muito bem representada pelo o elenco, pouco conhecido em filmes tradicionais. Lane e Maclachlan deram vida a pais amorosos e preocupados, cuja personalidade também é conhecida pelo acesso a suas mentes. E Docter é habilidoso por, com o jogo de câmara, mostrar uma mãe organizada e calma: com todos sentimentos disciplinados e quase sempre num mesmo plano, enquanto o pai, extrovertido e animado, possui a mente bagunçada, representada por diversos planos fechados e cortes.

Além disso, temos Black representando um carrancudo leitor ávido de jornais (aliás, sensacional a idéia de colocar a mídia sensacionalista como fomentadora de ódio); Hader um retraído e assutado medo, que está aparentemente sempre tremendo e Kaling uma típica adolescente cheia de frescura. Mas os grandes destaques do filme ficam por conta de Poehler, que dá lugar a uma alegria impulsiva, otimista e cheia de vida (e observem como ela parece sempre querer dançar ao andar e que sua impulsividade muitas vezes leva a problemas por agir sem pensar) e Smith, uma tristeza desanimada, pesarosa e pessimista que parece nem querer sair do lugar as vezes, mas que, em sua cautela, propõe boas idéias para os desafios presentes.

Misturando alguns clichês, como o medo de palhaço e o brócolis vilão, com idéias criativas do tipo a propaganda chiclete que “gruda” na cabeça e um labirinto de memórias, é na força de todo o conjunto que divertida mente tem seu sucesso: consegue fazer um filme que nos faz refletir sobre a maneira que tratamos nossas próprias emoções, e a importância que cada uma delas tem na nosso modo de viver. E quando não conseguimos nos entender conosco, e nosso painel “dá tilt”, parece que, de certo modo, a vida perde significado e acabamos sendo guiados por um vazio que não tem nenhum sentido ou explicação (e o filme representa isso numa linda sequência, já no terceiro ato).

E quando a tristeza modificou aquelas memórias passadas tão alegres eu não consegui conter um conjunto considerável de lágrimas, pois senti que tinha dado um passo a mais para a compreensão da importância da melancolia no nosso cotidiano, e do porquê, as vezes, estar para baixo tem o seu devido valor (quando estou assim fico muito mais responsável, por exemplo). Afinal, se pensarmos bem, a vida nada mais é do que uma explosão de emoções e, dentre muitas, a tristeza sempre nos faz parar e refletir, adiando tomadas de decisões que deveriam mesmo ficar para outrora.

E se a vida imita a arte, certamente ao sair da sala do cinema uma esfera amarela e azul rolou por dentro da minha mente e minhas emoções, segurando controles de um play station da última geração, viu a criação de mais uma ilha: a da crítica cinematográfica!


sábado, 1 de novembro de 2014

Mais amor e menos ódio, o primeiro passo para a melhora efetiva do país.

Sem a união da grande maioria da população brasileira, provavelmente nenhuma reforma de qualidade acontecerá. A relação respeitosa entre “direita” e “esquerda” e o consequente aumento da correlação de forças entre cidadãos e Estado, será crucial para combater os vícios do nosso sistema, como o lobby, as atitudes maquiavélicas e os interesses próprios de políticos e conglomerados econômicos. Nesse sentido, um clichê pode ser a saída: só o amor constrói.

As eleições de 2014 certamente serão uma página de destaque nos livros de história do Brasil num futuro breve. Fatos para análises e abordagens acadêmicas não faltam: as manifestações de junho, a morte do Eduardo Campos, os erros grotescos das pesquisas, o papel questionável da mídia, entre outros temas, poderão confirmar que o ano do vexame brasileiro na copa também foi um ano crucial para a evolução da nossa democracia.

Esse amadurecimento pode ser creditado aos milhões de brasileiras e brasileiros que se comprometeram com o pleito. Ruas cheias de militantes, mídias sociais batendo records de mensagens, são alguns exemplos do nível de envolvimento ocorrido. Nesse sentido, a espontaneidade da jornada de junho talvez explique o motivo de tanto engajamento, uma vez que diferentes ideologias foram as ruas com pelo menos uma ideia comum: o reconhecimento que o Brasil pode muito mais.

Todavia, a heterogeneidade desse movimento, acabou sendo inimiga dos anseios apresentados, pois a falta de diálogo entre ideologias auxiliou para dispersar e cessar as manifestações. Um exemplo disso são as poucas conquistas de curto prazo obtidas, dentre tantas reivindicações apresentadas.

O desafio agora é construir uma massa crítica que seja capaz de conviver com as diferenças a ponto de conseguir se unir em torno de um objetivo comum, quando necessário for. Dizem que o primeiro passo para consertar algo é o reconhecimento. Pois bem, praticamente todo Brasil quer mudança (e observem como o marketing de todas as campanhas abusou disso nesse pleito) então qual seria o próximo passo? O mais prudente pode ser avaliar o sistema e atacar, da maneira mais eficiente possível, as falhas que assolam o mesmo.

E aqui se observa um grande obstáculo: quem tem as melhores ferramentas para consertar o Brasil a priori, são justamente as instituições viciadas, e.g. os três poderes, a mídia e as grandes empresas (mercado capital). Por mais que existam pessoas que tenham a vontade de virar o jogo dentro de cada segmento desse, seria muita ingenuidade acreditar que essa configuração de poder, que dita as regras a tanto tempo, vai querer mudar só com uma pressão pontual.  Indubitavelmente, a cobrança deverá ser feita de maneira contínua e eficaz, até que as reformas necessárias sejam implantadas. E isso passa, necessariamente, pelo envolvimento de toda sociedade.

Sabe-se que no Brasil o maior gasto relativo com impostos é das classes de mais baixa renda - cerca de dez vezes mais comparada com a parte mais rica, segundo IPEA. Portanto, é muito difícil vislumbrar um congresso que aumentou significativamente sua quantidade de milionários, agir contra interesses próprios como a reforma tributária.

Na mesma linha de raciocínio, é praticamente impossível imaginar a mídia abraçando qualquer ideia de regulação que auxilie na quebra do oligopólio atual. Não só por interesses financeiros, mas também pela influência política que esse ramo tem (quarto poder). Muito pelo contrário, pode-se esperar da imprensa uma massiva campanha contra a sua regulamentação (que ela já chama de censura), ignorando experiências em países democráticos do mundo inteiro, desde os liberais EUA até a esquerda moderada como a Argentina, passando pela recente atitude da Inglaterra.

Outro calo no sapato certamente é o financiamento empresarial de campanha, uma vez que as grandes empresas do país não vão querer arriscar perder os seus benefícios políticos (facilitar licitações, por exemplo) que as ajudam a ter um retorno excelente de “investimento”.

Só existe um segmento da sociedade que conseguirá equilibrar forças com esses poderes a ponto de virar o jogo: a população. E, obviamente, quanto mais pessoas melhor! Tanto no campo quantitativo (pessoas nas ruas) quanto no qualitativo (diferentes pensamentos e ideais) é muito importante a participação equilibrada de todos.

A má notícia sobre a situação de momento é que o começo de uma importante luta foi bem desanimador. Com todo o ódio que foi destilado entre eleitores durante o pleito e mesmo depois do resultado de domingo (26/10) não é possível nem sonhar com algum tipo de união estável.

Uma mudança de comportamento deve ser vislumbrada! Para tanto, se objetivo é mesmo realizar as reformas necessárias para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, deve-se, no mínimo, lançar mão do velho e sempre eficiente amor e deixar a raiva de lado, sempre que possível.

O amor aqui pode representar a empatia para entender a história e as necessidades do próximo, a paciência para poder compreender o raciocínio desigual, o respeito com ideais alheias, que podem ser caminhos diferentes para o mesmo fim, e humildade para aprender as mais diferentes formas de pensamentos que por ventura apareceram.

É inconcebível, assim, ataques entre nordestinos e sulistas, petistas e tucanos, progressistas e conservadores, e por aí vai… Não só pelo ponto de vista ético ou filosófico, mas também pela lógica! Afinal, estão todos no mesmo barco que pode afundar sem o comprometimento e a ajuda mútua. O liberal assumido deve aprender a dialogar com a “esquerda caviar”, o marxista tradicional deve compreender a posição do “coxinha” e essa tolerância no debate encontrará as bases no amor entre os pares.

Vale reafirmar, por fim, que o bem do nosso país passa pelo esforço de cada cidadão em aprender a cobrar, de forma coletiva, o que lhe é de direito e foi negado por tanto tempo em detrimento de interesses de poucos. Nesse sentido, um clichê pode ser a saída: só o amor constrói! Amando mais e odiando menos, a união dos milhões de brasileiros e brasileiras será a base de uma democracia forte, na qual a vontade da subutilizada maioria efetivamente suplantará o desejo da poderosa minoria.





sábado, 2 de agosto de 2014

Aeroporto de Cláudio: no mínimo, um erro crasso do governo de Minas.

 

Tanto no planejamento quanto na execução, o "aecioporto" deixou a desejar. Os valores foram bisonhamente subestimados e a prática do projeto foi incoerente, uma vez que cidades importantes ficaram de fora do PROAERO em detrimento da "cidade dos apelidos".

 

Desde o dia 20 do mês passado, quando a Folha de São Paulo publicou uma denúncia contra o presidenciável do PSDB, o caso do aeroporto de Cláudio figura entre os mais comentados do país. Entre notas oficiais, representações no MP e notícias na imprensa e blogosfera, o fato que salta aos olhos é que muitas coisas devem ser explicadas para interesse da população, uma vez que, pelo andar da carruagem, pode-se confirmar um ato não só antiético do ex-governador de Minas, como também bem ineficiente (vale lembrar que Aécio se gaba pela ética, transparência e boa gestão pública).  Dentre as novas revelações que apareceram desde meu último post, destaca-se o uso indevido da pista não homologada, o valor que o governo de MG pode perder para o a família Neves de quase vinte e um milhões de reais e o imbróglio que acontece nas terras desde 2001

 

Planejamento do aeroporto em si parece ser bem ineficaz


Se anteriormente escrevi "uma pequena contribuição", agora decidi ir um pouco mais a fundo na questão do planejamento do PROAERO, que continua bastante controverso. Vale ressaltar que, tanto o PSDB em nota, quanto o próprio neto de Tancredo já frisaram que o aeroporto foi reformado e planejado por critérios técnicos e para o bem da população. Como esses estudos são de interesse nacional, imaginei que eles estivessem disponíveis em algum lugar e procurei até encontrar algo. Para minha surpresa, no site da Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (SETOP) não foi possível achar tais documentos, todavia consegui encontrar o planejamento em eventos (de certa maneira) acadêmicos: [1] no VII SITRAER, de novembro de 2008; [2] no 1ª seminário nacional de logística e 10º seminário de transporte, de novembro de 2010 e [3] no V CONSAD, de junho de 2012.
Depois de analisar com cuidado os artigos [1] e [3] e a apresentação .ppt [2] é possível verificar que a obra do aeroporto de Cláudio foi executada de uma maneira, no mínimo, um pouco negligente. Tanto os valores envolvidos no planejamento não foram contemplados (o preço final do aeroporto foi superfaturado), como o prazo para aeroportos bem mais importantes foram atropelados em detrimento da sua construção. Em tópicos, resumo aqui o que considerei de mais relevantes nos estudos (recomendo, fortemente, que vocês leiam todas as referências para melhores conclusões): 
  •   O Aeroporto foi considerado irrelevante inclusive no PROAERO: Pelo planejamento presente em [1] e [2] o aeroporto de Cláudio se quer é considerado relevante para a região.  As figuras A (situação atual segundo [1]),  B (situação desejada em 2011 segundo [1]) e C (visão de futuro segundo [2]) mostram o antes e o depois da malha aeroviária mineira segundo os planejamentos do PROAERO. Rapidamente, um questionamento vem em mente: porque Cláudio, um município tão importante, um pólo de metalurgia da América Latina, ficou de fora dos desenhos da malha aeroviária futura? Aliás, pode-se notar que o aeroporto da região de Lagoa da Prata - que foi descartado pela SETOP em 2012 (como falei no post anterior) - estavam nos planos anteriores do PROAERO. Tem explicação abrir mão de um pelo outro?
De [1]: Malha aeroviária de Minas em 2006: o status do Proaero no ano correpondente.

De [1]: Previsão para a malha aeroviária em 2011: segundo o estudo, como deveria ficar (enquanto Cláudio está fora, Ouro Preto, Itabira e Lagoa da Prata estão no estudo).


De [2]: Na apresentação de 2010, 2 anos depois, Marco Migliorini vislumbrou uma malha completa, mas sem Cláudio outra vez.
  •   O Valor foi muito mal calculado: Observa-se, ainda, que os valores envolvidos no planejamento a priori não batem com o desembolsado pelo governo. E é curioso acontecer isso, uma vez que o governo mineiro é conhecido pela "gestão eficiente". Pela tabela 7 de [1] nota-se que o valor estimado para obras em aeroportos seria de, aproximadamente, R$ 64.000.000. Um cálculo rápido demonstra que Cláudio levou, só com obras (R$ 14.000.000 - sem contar a desapropriação), cerca de 22% desse valor. A coisa é tão díspare que se considerarmos apenas os seis aeroportos que deveriam ser construídos, em uma distribuição linear, cada um levaria por volta de dez milhões de reais. Ressalta-se aqui, que cidades mais importantes como Itabira e Ouro Preto ficaram de fora (comento mais abaixo).
    Gastos previstos segundo estudos: Cláudio levou 22% desse valor.
  •   O estudo não condiz com a realidade apontada pelo próprio PSDB: O aeroporto de Cláudio era para entrar como "melhoramento" ou "pavimentação". Por que foi considerado (e consequentemente planejado) como "Novo aeroporto"? O próprio partido questionou essa denominação do Proaero.
  •   O planejamento foi atropelado em prol da construção do aecioporto: Como pode-se verificar em [1] os aeroportos de Sete Lagoas e Chapada Gaúcha deveriam ficar pronto em 2009 e não foram. Cláudio, entretanto, era previsto para 2010 e foi feito no prazo! Detalhe para o importância indutrial e regional das cidades deixadas pra trás: SL tem o PIB quinze vezes maior que Cláudio e a CG fica numa região carente de aeroportos inclusive locais (lembrando que Cláudio fica do lado de Divinópolis). A estratégia óbvia seria concluir os primeiros, de 2009, para depois seguir para os de 2010;
  •   Se não tivesse sido feito como prioridade, Cláudio não sairia do papel: Pela reformulação do PROAERO em 2010, visto em [2] e [3], a cidade de Cláudio estaria dentro do raio de Divinópolis (100km) e, portanto, não teria necessidade da realização do aeroporto. Consequentemente, o governo mineiro errou ao priorizar essa cidade e deixar municípios como Itabira, Lagoa da Prata, Ouro Preto e outros para depois.

Mini estudo de caso: Itabira x Cláudio

 

Itabira, como se vê, poderia ter sido uma cidade igualmente contemplada pelo PROAERO segundo os planejamentos apresentados. Eu nasci em BH mas sou itabirano de coração, uma vez que passei grande parte da minha infância na cidade e, nos dias atuais, sempre que posso visito amigos e parentes por lá! Meus pais são naturais de lá, assim como tios e primos, por isso posso dizer que vivi de perto como funciona uma cidade embalada por uma multinacional.

Itabira é a cidade onde nasceu a Vale, por isso é muito (mas muito mesmo) difícil que Claudio tenha qualquer importância geopolítica maior que a terra de Carlos Drumond! Fica então a pergunta: por que Cláudio foi escolhida em detrimento de Itabira?
Seria o PIB? Itabira tem o PIB aproximadamente quatorze vezes maior que o de Cláudio. São quase 4,8 bilhões de reais contra 340 mil.
Seria o aeroporto local? Na região de Itabira não existe aeroporto regional (e nem Local) com a proximidade que existe em Cláudio. Ipatinga fica a 111 km de Itabira, quase o dobro da distâcia entre Divinópolis e Cláudio. Aqui vale ressaltar um fato interessante: o leste mineiro realmente carece de uma boa malha aeroviária. Um aeroporto em Itabira, segundo a própria SETOP, beneficiaria São Gonçalo do Rio Abaixo, que tem quase 2,8 bilhões de PIB. Sem falar nas cidade de Barão de Cocais e João Molevade, todas relevantes para a indústria mineira.
Seria a população? Itabira tem a população estimada (para 2013 segundo o IBGE) quatro vezes maior que a de Cláudio. Sem falar no turismo itabirano que, certamente, é bem superior.
Seria o valor? Já vimos que um Aeroporto no Ceará (coloquei no post anterior) foi construído por 19 milhões de reais e tem uma boa infraestrutura. Será que com 14 milhões não daria para fazer um bom aeroporto? Se não, como foram calculados os valores pelo SETOP?

O que é então? Essa pergunta eu deixo para vocês (ou o próprio Aécio que gosta muito de "conversar") responder... O que leva Cláudio a ter um aeroporto e não Itabira? 

 

Fatos relevantes

A página da SETOP está fora por causa dos períodos eleitorais o que dificulta o acesso às informações diretamente oficiais. Seria importante verificar os nomes presentes nos artigos - Julio César Diniz De Oliveira, Marco Antonio Migliorini e Rubens da Trindade - e suas posições dentro da SETOP. O que pude verificar numa rápida pesquisa do Google (não quer dizer q é verdade) foi que: Júlio já foi (ou é) Gerente do Proaero, Acessor de aeroportos da SETOP e coordenador de projetos de infraestrutura; Já Marco ocupou (ou ocupa) a posição de Diretor de Infraestrutura Aeroviária da SETOP, e Rubens já trabalhou (ou trabalha) na secretária de turismo e como gestor do núcleo de convênios no governo mineiro. Obviamente, na internet podemos encontrar de tudo, então, seria melhor verificar junto aos órgãos oficiais.

Navegando num fórum da internet, num tópico sobre aeroportos no interior de Minas, encontrei uma notícia do Anastasia anunciando a segunda fase do Proaero. As notícias oficiais, vindas do site do governo de minas, não podem ser mais encontradas: vejam aqui e aqui.

Mais detalhes sobre os estudos: [1] Programa aeroportuário de Minas Gerais, por Julio César Diniz De Oliveira e Marco Antônio Migliorini; [2] Readequação da malha aeroviária: cenários exploratórios apresentado, por Marco Migliorini e [3] Perspectivas para a política aeroportuária no estado de minas gerais: inovação e redesenho das ações frente ao novo cenário de descentralização, delegação e concessão de aeródromos públicos da união, por Rubens da Trindade.

 No artigo [3], de 2012 quando o aecioporto já estava pronto, na página 8, Rubens da Trindade cita as cidades que receberam investimento até 2010. Coincidentemente, das 23 cidades citadas no texto, duas não aparecem no desenho: Cláudio (tão importante mas fora de novo) e Ouro fino.

Em mais uma figura, o importante aeroporto de Cláudio é menosprezado (mesmo sendo citado no parágrafo anterior).

 

Opinião


Sinceramente, quanto mais pesquiso concluo que o governo não tinha alguma justificativa palpável para fazer esse aeroporto. Cláudio não só é uma cidade irrelevante do ponto de vista econômico e populacional (quando comparadas a muitas outras cidades mineiras), como territorialmente não justifica priorizar um local que tem um aeroporto tão completo, como o Divinópolis, numa proximidade. Ademais, ver regiões como o leste mineiro depender apenas de Ipatinga, Guanhães ou Valadares é bem incoerente. Certamente, Itabira ou Barão de Cocais mereciam um melhor investimento e com a prioridade maior que a de Cláudio.

Aécio tem muito o que explicar, pois, para o azar dele, o aeroporto fica a 6km da fazenda que ele, assumidamente tanto gosta de frequentar. Muitas pessoas podem acreditar que ele usou o governo (desde o planejamento até a execução do projeto) para poder beneficiar não só a ele, mas também os familiares, com esta pista tão conveniente para seus interesses particulares. Espero que o ex-governador (como o homem público que é)  possa provar que, efetivamente, Cláudio é uma cidade que merecia tal aeroporto, com tal investimento e prioridade.